Em 10 anos, extrato mais maduro no mercado de trabalho cresceu 91% no Brasil
Depois de um ano sem trabalho, Newton Cezarini conquistou vaga de operador de estoque em março. Quando estava desempregado, ficava encabulado e nem entrava na fila porque só via jovens
Foto: Félix Zucco / Agencia RBSCaio Cigana
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A transformação do perfil etário do país nos últimos 10 anos mudou o retrato do mercado de trabalho. De forma acelerada, o Brasil faz a transição de uma nação jovem para uma população cada vez mais madura.
E o ritmo de envelhecimento traz desafios ainda maiores à nação no futuro. Para o governo, a grande tarefa será o estímulo a aposentadorias mais tardias, como a possibilidade discutida da adoção de idade mínima. Às empresas, caberá um investimento maior em treinamento para prolongar a produtividade dos colaboradores.
Em apenas uma década, jovens e pessoas com idade a partir de 50 anos inverteram os lugares na composição da força de trabalho. Em maio de 2002, os indivíduos de 18 anos a 24 anos eram 19,9% da população economicamente ativa nas seis principais regiões metropolitanas, entre as quais a de Porto Alegre. No mesmo mês deste ano, esse percentual caiu para 14,7%.
No sentido inverso, a participação das pessoas com 50 anos ou mais saltou de 14,2% para 21,4%. Apesar da percepção de maior dificuldade de recolocação, a faixa de trabalhadores que ultrapassou meio século de vida também é a de que, nestes 10 anos, apresentou a mais significativa queda no desemprego e o maior avanço no número de ocupados.
Porteiro e por 11 anos auxiliar em uma casa religiosa, Newton Clos Cezarini, 55 anos, desconfia que foi mandado embora do emprego, em abril do ano passado, para ser substituído por alguém mais jovem. Ficou quase um ano sem trabalho, até ser contratado em março como operador de estoque em um ponto da Lojas Colombo na Capital.
Cezarini relata que, enquanto estava desempregado, procurava ofertas de vagas em classificados de jornais, mas, ao chegar aos locais de seleção, constrangia-se ao deparar com a concorrência.
— Muitas vezes, eu ficava encabulado e nem entrava na fila. Em todo lugar que ia, só via gente nova. Ficava desanimado — conta.
Depois que voltou a ser empregado, o ânimo é outro:
— Estou rejuvenescido. Parece que tenho 20 anos. Me sinto um guri.
Portas abertas para o mercado
Os números que mostram a marcha dos trabalhadores mais maduros impressionam. Em maio de 2002, o contingente de ocupados com 50 anos ou mais nas regiões metropolitanas que integram a pesquisa mensal de emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era de 2,68 milhões, número inferior aos 3,10 milhões de pessoas com idade de 18 anos a 24 anos.
Dez anos depois, verifica-se uma ultrapassagem com folga. Enquanto o extrato jovem de ocupados cresceu apenas 1%, a faixa de maior idade disparou 91% e chegou a 5,12 milhões de pessoas.
Com a transição demográfica, fruto da menor taxa de natalidade e avanço na longevidade, a escalada dos trabalhadores grisalhos tende a se acentuar nas próximas décadas.
— As empresas absorverão cada vez mais pessoas maduras, pela diminuição da entrada de jovens no mercado devido à menor taxa de fecundidade e ao fato de ficarem mais tempo na escola. As empresas terão de rever preconceitos e investir mais em capacitação — resume Maria Amélia Camarano, coordenadora de população e cidadania no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e estudiosa do tema.
Nessa travessia, um dado positivo é o de que os jovens estão estudando por mais tempo. Portanto, quando entrarem no mercado serão mais qualificados e terão potencial de apresentar maior produtividade, avalia o pesquisador Rodrigo Leandro de Moura, da Fundação Getulio Vargas (FGV). O quadro atual de escassez de mão de obra preparada é outro fator que contribui para o aumento da longevidade laboral.
— Empresas estão desaposentando funcionários para que voltem à ativa. Existem pessoas com 60, 65 anos que são ativas e têm produtividade alta — observa Moura.
Preconceito também tende a diminuir
As estatísticas são palpáveis para quem trabalha com recrutamento. Lourdes Lovison, gerente executiva do grupo Advis, consultoria na área de recursos humanos, sente que o preconceito com trabalhadores de idades mais avançadas caiu de forma nítida nos últimos cinco anos.
Segundo Lourdes, 90% das empresas que solicitavam a indicação de profissionais a Advis tinham restrição a pessoas acima de 50 anos. Hoje, o percentual das que têm limitação etária caiu pela metade. Também cresceu o número de empregadores que procuram colaboradores mais maduros para posições em áreas administrativas e de gestão.
— É uma escolha por maturidade. As pessoas com 50 anos não são as mesmas de tempos atrás. São saudáveis, mais competitivas e produtivas, alinhadas às tecnologias, conectadas com as mídias e redes sociais. Disputam em igualdade com os jovens — afirma Lourdes.
Mais cauteloso, o consultor Eliseu Ordakowski, da Produtive, empresa especializada em transição de carreiras, ainda nota dificuldade para a recolocação de executivos de mais de 50 anos, embora admita uma mudança no cenário. Apesar de pontos fortes como experiência e conhecimento, em regra os laços familiares dificultam a mudança desses profissionais para outras cidades e Estados. Essa mobilidade, diz Ordakowski, tem sido exigida pelo mercado.
Fantasma superado
Foto: Tadeu Vilani
Há duas décadas e meia no setor de transporte rodoviário de cargas, o economista Apparício Borges Netto deixou em agosto de 2011 a empresa em que trabalhou nos últimos seis anos. Aceitou o convite para participar de um projeto de outra companhia que, nove meses depois, não vingou. Aos 53 anos, viu-se desempregado, mas retornou rápido ao mercado. Após três meses, começou em agosto como gerente da filial de Porto Alegre da Expresso Javali, de Caxias do Sul.
— A gente sempre pensa na questão da idade. Sou um otimista, mas havia o fantasma. E esse é um cargo com oferta de vagas limitada na região. Mas tenho experiência e sou qualificado, e no meu segmento a experiência tem bom peso — diz Apparício, pós-graduado em marketing e com mestrado em logística.
A aposentadoria ainda está longe do radar de Apparício. Sequer tem certeza de quantos anos faltam para poder ter o benefício.
— Nem penso em parar. Tenho pelo menos mais menos mais 20 anos de vida útil. O trabalho faz bem para as as pessoas — sentencia.
Parar, nem pensar
Foto: Jean Schwarz
Faltam só oito anos de carteira assinada para se aposentar, mas Joremir Rosa da Silveira, 58 anos, nem pensa em ficar inativa. Mesmo quando reunir as condições de obter o benefício, planeja permanecer no mercado de trabalho.
— Não me vejo parada, trancada em um apartamento — diz.
Joremir foi chamada no final de julho para ser fiscal de prevenção de perdas em um hipermercado Big na zona norte da Capital, após ficar apenas um mês desempregada. Viúva e com prestações da casa própria para pagar, admite que conseguiu recolocação mais rápido do que imaginava.
— Eu estava preocupada, insegura por cauda da idade. Tem muito jovem no mercado de trabalho
Garra e alegria
Foto: Mauro Vieira
Bacharel em turismo e pós-graduada em vendas, Maria Cristina Blauth, 53 anos, trabalhava no mercado imobiliário em Florianópolis (SC) e, em maio, forçada por uma questão pessoal, teve de retornar a Porto Alegre.
Na busca de recolocação, Maria Cristina conta que passou por diversos processos seletivos em que os concorrentes mais velhos tinham menos de 30 anos, mas em junho já dava expediente na agência de viagem Royal Holiday, no bairro Moinhos de Vento. Para Maria Cristina, a barreira da idade foi vendida pela qualificação profissional e a irresignação para batalhar o emprego.
— Eu precisava trabalhar. Isso depende muito da vontade, se a pessoa vai com garra. E também tenho um espírito alegre — relata a profissional.
Transição será um desafio para o país
O envelhecimento do país e a alteração do perfil etário da força de trabalho trazem desafios ao país. Para as empresas, especialistas adiantam a necessidade de um investimento maior em saúde ocupacional e treinamento de mão de obra com idade média cada vez mais avançada. Ao governo, cabe o papel de melhorar a educação e, ao mesmo tempo, encontrar uma fórmula para aliviar a pressão previdenciária pelo envelhecimento da população.
O sucesso na transição demográfica depende de o país conseguir dar um salto na qualificação profissional, aponta Claudio Dedecca, professor de economia social do trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Assim, o perfil laboral seria cada vez menos de esforço físico, com a tecnologia substituindo tarefas braçais.
— Para isso, a economia teria de crescer a taxas maiores e mais estáveis por muitos anos. Essa transição foi bem feita nos países nórdicos, na Holanda e no Japão – exemplifica.
Uma saída contra o nó previdenciário
A economista Marianne Hanson, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) reforça que, por parte dos empregadores, a tarefa será proporcionair treinamento e capacitação aos trabalhadores para que se atualizem ao longo do tempo e mantenham a produtividade. Para isso, no entanto, o ponto de partida seria a educação, uma tarefa que até pode ser facilitada pela transição demográfica, avalia:
— Teremos menos jovens, e o gasto poderá ser mais eficiente. Isso cria condições de melhorar a educação.
A inquietude com a qualificação na idade escolar se repete na Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). O diretor de educação, Luiz Eduardo Rosa, lembra que, se antes a regra era apelar a programas de demissões voluntárias, as empresas agora lançam iniciativas de retenção para retardar aposentadorias.
— Profissionais de mais idade tiveram formação com mais qualidade do que os jovens — avalia Rosa, citando o alto analfabetismo funcional até entre os universitários.
Para vencer o desafio previdenciário imposto pelo envelhecimento da população, especialistas recomendam aproveitar o período que o Brasil atravessa hoje e viverá até meados da próxima década, quando a chamada população em idade ativa (PIA) será superior em número aos dependentes, como idosos e crianças.
— O governo deveria estimular maior tempo na ativa para que o contingente de aposentados cresça de forma menos acelerada no futuro — avalia o pesquisador Rodrigo Lean- dro de Moura, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Fonte Gestão Sindical