Tarifaço – A semana foi movimentada por duas reuniões importantes entre o governo Lula e representantes do setor tecnológico que trataram das tarifas impostas pelos Estados Unidos, mas com focos distintos.
Enquanto big techs como Google e Meta discutiram os motivos das sobretaxas e prometeram levar propostas sobre regulação de plataformas, empresas brasileiras de tecnologia transformaram críticas em sugestões — mais especificamente, uma proposta para tornar o país um polo de armazenamento e processamento de dados.
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A ideia está ancorada na Política Nacional de Data Centers, um plano que deveria ter sido encaminhado ao Congresso em maio, mas que permanece engavetado na Fazenda. Anunciado por Fernando Haddad durante visita ao Vale do Silício, o plano perdeu força após a crise em torno do IOF.
Ainda assim, parte dele começou a sair do papel, com incentivos fiscais voltados à exportação, que beneficiam, por ora, poucas empresas — como a ByteDance, dona do TikTok, e o governo do Ceará.
Plano fiscal como peça estratégica
Diante da morosidade na implementação, a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) sugeriu ao governo incluir os incentivos fiscais para data centers nas negociações com os EUA.
O argumento é que o país norte-americano, imerso na corrida global da inteligência artificial, precisa ampliar sua capacidade computacional.
Para especialistas, no entanto, a proposta, embora interessante, ignora o emaranhado de regras legislativas envolvendo a IA, o que pode comprometer sua viabilidade.
O que está na mesa
O Plano Nacional de Data Centers está em gestação desde abril e tem como ponto central o regime tributário chamado Redata, que prevê a isenção de tributos federais para construção e importação de equipamentos dos centros de dados e estima atrair até R$ 2 trilhões em investimentos, segundo projeções da Fazenda. O plano foi publicado via medida provisória, mas não chegou a ser encaminhado ao Congresso, o que gerou apreensão no setor.
Em reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin e com o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan representantes de gigantes como Amazon Web Services, Microsoft e Oracle — além de empresas nacionais como Elea e estatais como Dataprev — cobraram agilidade do governo e sugeriram que o plano sirva de barganha nas conversas com os EUA.
Hoje, cerca de 60% do processamento de dados do Brasil ocorre fora do país. O plano da Fazenda considera tanto os investimentos em data centers quanto a infraestrutura necessária para atender ao crescimento da digitalização e do uso de IA no Brasil.
A ideia é transformar o Brasil de importador em exportador de processamento de dados, atraindo empresas estrangeiras para operar no país. O diferencial competitivo seria a matriz energética brasileira, majoritariamente limpa e renovável.
Sustentabilidade como critério-chave
Embora o texto do Redata ainda não tenha sido divulgado oficialmente, versões preliminares indicam exigências ambientais rigorosas, com:
– Uso exclusivo de energia limpa e renovável;
– Eficiência hídrica e energética elevada;
– Neutralização das emissões de carbono.
Alckmin não estipulou prazos, mas prometeu pressa. Enquanto isso, o governo já colocou em prática parte do plano: centros de dados agora podem ser incluídos em ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação), antes restritas à produção industrial, desde que operem apenas com energia renovável. A medida, porém, tem destino certo: a ByteDance, que negocia a construção de um data center no Ceará, com energia da Casa dos Ventos.
Ceará como projeto-piloto
A implantação no Ceará pode se tornar uma espécie de teste para o modelo nacional. A pesquisadora Marina Garrote, da think tank Reglab, alerta que o estado possui vantagens em energias renováveis, mas enfrenta desafios hídricos.
Segundo ela, do ponto de vista social, os data centers criam empregos apenas durante a construção e pouco após a operação, mas o maior desafio está no campo regulatório: o PL da IA, em discussão na Câmara, pretende estabelecer regras para a tecnologia. No entanto, CEOs de grandes operadoras de data centers se opuseram ao trecho que prevê remuneração por dados usados em treinamentos de IA.
Desde 2021, o Ceará possui lei que responsabiliza empresas por danos causados por sistemas de IA. Deputados estaduais cearenses também discutem regras próprias para instalação desses centros.
“Essas leis estaduais de IA nunca foram testadas. O meio de campo está meio bagunçado. Minha impressão é de certa confusão”, avalia Garrote.
Meta e Europa: um divórcio anunciado
A Meta anunciou que, a partir de outubro, encerrará a veiculação de anúncios políticos, eleitorais e sociais na União Europeia. O motivo seria a insegurança jurídica diante das novas regras do bloco. Entre as exigências estão identificação do pagador do anúncio, valor gasto e vínculo com as eleições — sob pena de multa de até 6% da receita anual. O Google já havia tomado decisão semelhante.
Na semana anterior, a Meta também optou por não assinar o Código de Conduta europeu para desenvolvedores de inteligência artificial. O executivo Joel Kaplan alegou que o documento apresenta “incertezas jurídicas” e impõe “obrigações além do escopo da lei de IA”. O código funcionaria como uma diretriz para cumprimento da nova legislação europeia, que entra em vigor neste sábado (2). Siemens e Airbus já pediram adiamento da norma.
Tributação de Big techs
Apesar das declarações de Lula sobre taxar empresas digitais dos EUA, os planos de cobrança seguem paralisados. As propostas do “imposto digital”, do “fair share” e outras estão nas mãos dos ministérios da Fazenda, Secom e Comunicações — e ainda não chegaram ao Congresso. O foco imediato do governo são os projetos para regular e fiscalizar o poder das plataformas.
Por outro lado, o governo assinou na semana passada um decreto que reformula a gestão de dados públicos. A medida define diretrizes para integrar bancos de dados federais e cria novas regras para serviços de computação em nuvem. Grandes fornecedoras como AWS, Google, Oracle, Huawei e Microsoft devem ser impactadas pelas novas exigências de Serpro e Dataprev.
(Com informações de UOL)
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